terça-feira, 31 de outubro de 2023

Deza na Câmara


Era dia de sessão na Câmara Municipal de Lagoa da Italianinha e todos os 15 vereadores estavam presentes: a presidente Karoline, a primeira secretária Kátia, o segundo secretário Diego, Josimar, Vanessa, Goy, Ari, Flávia Andréia, Maria Isabel, Alba Valeria e Fafá, além dos oposicionistas Marco Aurélio, Wilon, Kauan e Fagner. Todos eles apresentavam seus requerimentos.

De repente, entrou na Câmara e se sentou uma mulher muito suja e cheirando mal. Era a mendiga Deza. A presença dela ali incomodava a plateia, principalmente por conta do mau cheiro. O guarda da Câmara disse para Karoline, durante a Sessão, que a mendiga "cheirava a cocô". 

Durante um discurso de Diego, a Deza disse:

- Tudo ladrão, tudo ladrão...tudo ladrão!

Karoline interrompeu o colega e disse:

- Peço a senhora que por favor, se retire daqui. 

- Oxe, e aqui não é a "Casa do Povo"

- É sim, mas tem que ter respeito.

A polícia chegou na hora. Os policiais Júnior e Ana Clécia retiraram Deza dali. Mesmo contrariada, Deza não ofereceu resistência. Karoline mandou um funcionário passar um spray para tirar o mau cheiro, enquanto a sessão prosseguia. 


Cássia na rodoviária

 

Durante um dia inteiro, desde umas 8 sa manhã, Cássia estava no terminal rodoviário em Lagoa da Italianinha. Ela permanecia sentada, isolada e falando sozinha. Cássia também chegou a ficar deitada por um tempo ali.

Marlene disse para suas funcionárias Santa e Deinha:

- Essa moça, Cássia, tá aqui desde manhã. Eu me preocupo se ela inventar de se sentar numa das nossas cadeiras, pois ela urina e caga nas calças, imagina como vai ser se chegar cliente?

- Coitada, ela é meio doida... - disse Santa.

Deinha disse:

- Ela passou aqui com uns papos estranhos também. Sem pé nem cabeça...

Cássia se levantou do chão onde estava dormindo, e ela disse:

- Eu tô aqui querendo que chova, mas não chove... Eu tô doida pra correr na chuva.

Santa disse:

- Mas aqui no Nordeste estamos no tempo de calor.

- Sei... Deveria ser proibido por lei fazer calor e ser obrigatório cair chuva todo dia. Eu me sentiria muito feliz. 

Santa olhava Cássia com estranheza. Em dado momento, Cássia perguntou:

- Você vende torta?

- Não.

- Eita eu queria... Se tu tivesse ia te pedir pra tu tascar a torta na minha cara. Mas tu não tem...

Cássia se retirou dali, e Santa disse:

- Oxe, que mulher estranha...

Inalda e a Reforma Protestante


Mesmo sendo judia, Inalda, a pintora alemã que vivia no antigo sítio Maniçoba, atual Lagoa da Italianinha, no agreste de Pernambuco, era bem interessada no assunto da Reforma Protestante, cujo início havia ocorrido em sua terra natal, Wittenberg.

Inalda chegou a pintar um quadro com Lutero pregando as teses na porta da igreja, o que desagradou o padre Francisco, pároco se Vila Dourada. Isso ocorreu em 1937, quando a Reforma completou 420 anos.

Certo dia de 1937, na venda de Ed, Inalda estava ali, com Maria Clara, a simples camponesa. Ed disse:

- O padre não gostou muito de sua nova pintura. Tu sabe ne?

- Ed, foi um fato da História. Não sou católica nem protestante. Sou judia. 

Maria Clara disse:

- Nem entendo muito sobre esse fato...

- Foi lá na minha terra, Wittenberg, em 1517, que um monge chamado Martinho Lutero pregou 95 teses na porta de uma igreja de lá reagindo a uma venda de indulgências promovida por um frade chamado João Tetzel. Lutero foi expulso da igreja por pregar que só a fé salva, e aí foi que nasceu o chamado Protestantismo. Essa foi a primeira grande divisão do Cristianismo...

Ed disse:

- Inalda, me perdoe discordar, mas a primeira grande divisão foi o Grande Cisma do Oriente em 1054. 

- É verdade...mas essa é pouco falada...

Os descendentes esquecidos


Uma ideia recorrente em Lagoa da Italianinha, pequena cidade do interior de Pernambuco, é que os descendentes dos italianos que fundaram a cidade são os únicos que tem sangue italiano mesmo, e que eles estariam reservados aos descendentes das duas famílias italianas que lá chegaram na década de 30. Mas a ideia é errada.

Existem outros que tenham pelo menos um antepassado italiano. Podemos citar a vereadora Kátia, sua irmã Suziane e os irmãos Jad, Valdenes, Guilherme, Juju Doida e Vitória. Acontece que o avô deles, Antônio Neto, conheceu exatamente uma italiana na época que estava na guerra, e se casou com ela, gerando esses descendentes. Ela era de Florença, na Toscana.

A deputada federal Sandra Valeria também tem um antepassado italiano, seu avô, que era de Milão, na Lombardia. Ele se casou com Maria José, avó da ex-prefeita e atual deputada. Devido a isso, Alba Valeria - filha da deputada -, além da irmã da deputada, Maria Bonyta e sua filha Sílvia, Lady Milene - outra irmã da deputada - ,além de outras sobrinhas, Taciana, May e Natasha, também acabam tendo sangue italiano.

Por fim, a jovem humilde Giuliana, vinda de Nápoles, na Campania, também gerou descendentes na cidade. As irmãs Aline Débora e Cyntia Fernanda, que moram no sítio Mandacaru, são suas bisnetas. 

A primeira bronca de Gabriella


Numa certa tarde, Talita, que foi jornalista e agora mora nas ruas, estava admirando as crianças saindo vestidas de bruxas por ocasião do Halloween. Mas a mendiga Gabriella repreendeu e disse:

- Por que admira isso?

- Eu acho tão lindo uma gracinha elas assim...

Gabriella disse:

- Isso não é festa boa. Eu quando fui rica comemorei muito isso também. Te digo que é coisa do mal mesmo. 

- Você acha?

- Acho, não. Tenho certeza. Coitadas das crianças que são enganadas por isso. Envolve magia, envolve ocultismo...isso não é legal.

- Está bem, dona Gabriella. Eu me rendo.

- Talita, você resolveu me seguir, mas saiba que terá que viver o Cristianismo verdadeiro, e...

- Eu sei. Eu larguei tudo e estou aqui. E estou consciente da minha decisão.

- Ótimo.

Uma história contestada


Em Lagoa da Italianinha, até hoje se discute a veracidade da história contada pelos italianos Jadiael, Lanie e os filhos Alycia e Arthur, sobre Tia Sandra ter voado diretamente para o céu. 

O ano era 1961, o Brasil vivia sob o governo de Jânio Quadros e o mundo assitia a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. 

Tia Sandra tinha 70 anos, mas continuava agindo como criança. Não largava sua boneca de pano nem seu ursinho de pelúcia que ganhou já no Brasil. Levara uma vida sofrida, rejeitada pela família e tendo morado nas ruas de Verona, na Itália, por bastante tempo. Durante a Segunda Guerra Mundial, esteve internada em um hospício em Milão, de onde saiu em 1946 para morar no interior de Pernambuco, onde sua sobrinha amada Lanie já residia.

Alycia, a única remanescente do acontecimento sobrenatural, alega que viu sua tia-avo voando pro céu. Atualmente com 92 anos, Alycia ainda sustenta essa versão.

Mas muitos não acreditam. Há quem diga que Tia Sandra foi "escondida" e tá viva até hoje, com 132 anos, mas como criança ainda. Outros que acreditam falam que ela era "tão pura" que foi digna de voar para o firmamento. Mas até hoje a maioria não acredita na versão de Alycia. 

Sandra Valeria define nova estratégia política

 

Com a surpreendente decisão de sua filha, a vereadora Alba Valeria, em se aliar com a prefeita Myllena, a deputada federal Sandra Valeria resolveu pegar o primeiro vôo de Brasília para Lagoa da Italianinha, para definir novas estratégias políticas.

Sandra Valeria, juntamente com o deputado estadual Moab, andam tentando convencer a deputada estadual Janayna a disputar novamente uma eleição para prefeita, enfrentando a mesma adversária para quem perdeu em 2020. Mas Janayna pensa em apenas exercer seu mandato de deputada estadual. 

- Sou escrava da vontade do povo, eles não me quiseram como prefeita mas me quiseram como deputada - responde Janayna.

Sandra Valeria também pensa em um "plano B": apoiar a candidatura de Marlene, uma possível candidatura de Moab ou ela mesma ser candidata. Além disso, Sandra Valeria ja contactou sua sobrinha Taciana para ser candidata a vereadora - e assim tirar votos de Alba. 

A loucura de Ana Patrícia

 

Irmã mais nova do deputado estadual Moab, a Ana Patrícia sempre foi vista como uma madame fina e elegante. Mas em pleno dia do seu aniversário resolveu radicalizar um novo visual. Simplesmente ela, que já chegou a chamar os descalços de "nojentos", jogou fora as sandálias, ainda por cima, foi a um salão de beleza e mandou raspar a cabeça.

Ao chegar em casa dessa forma, Moab tomou um susto. Ele disse:

- Mas o que deu em você, Ana Patrícia? Ficou louca?

- Decidi mudar Oxe. Meti na cabeça de fazer isso e eu fiz.

- Você daria um desgosto muito grande ao nosso pai Coronel Pontes Florêncio e nossa mãe Jennifer. Você não tem noção.

- Ah, isso não é nada demais. 

Josiane e Danuzia, as sobrinhas dela, ficaram espantadas com o visual de Ana Patrícia, que ainda colocou um vestido longo preto. Danuzia disse:

- Tão fina que era minha tia agora tá parecendo maloqueira louca. 

Josiane disse:

- Ela é hipócrita falou tão mal de quem anda descalço e agora ela tá assim, careca e descalça...

Ana Patrícia, para completar, ainda se jogou na piscina e foi nadar. Ela dizia:

- Hoje não tem festa pro meu aniversário pois ninguém gosta de mim. Mas tô aqui comemorando sozinha mesmo...

A Decisão Radical de Talita


 Era uma manhã, e a mendiga Gabriella estava em uma calçada, quando a jornalista Talita apareceu ao seu lado e se sentou na calçada. Gabriella disse:

- Uma jornalista rica assim se sentando numa calçada ao lado de uma mendiga?

- De hoje em diante é assim que viverei...

- Há????????

Talita disse:

- Saí de casa, Gabriella, não aguento mais aquele monte de serpentes venenosas. Briguei lá com minhas irmãs e minha tia e eu larguei tudo. Gosto da sua filosofia de vida da forma como vc vive...

- Mas viver nas ruas é muito difícil...

- Eu sei. Mas vou pagar o preço. E quero ser cristã também. Não uma falsa cristã feito minha irmã Renee, e sim uma cristã de verdade feito vc. 

Gabriella ficou surpresa com a decisão de Talita. Enquanto isso, Madame Eliene proibiu suas três sobrinhas Renatinha, Renee e Natali, de dirigirem suas palavras a Talita. 

Uma Inesperada Aliança


Numa certa manhã, na Prefeitura de Lagoa da Italianinha, a prefeita Myllena mandou chamar a imprensa para apresentar sua nova aliada. E para surpresa geral, a vereadora Alba Valeria, filha da deputada federal Sandra Valeria, resolveu deixar o barco político de sua mãe e se aliar com a maior adversária dela.

Alba Valeria alegou afinidade ideológica com a Myllena, pois ambas defendem idéias da chamada "direita". Alba ainda criticou sua mãe por andar aliada com grupos de esquerda e querer impor um coronelismo em Lagoa da Italianinha. As mediadoras dessa inesperada aliança foram Ilene, secretária de governo e irmã da prefeita descalça, e Lady Milene, irmã da deputada e tia de Alba, mas que não apoia politicamente a deputada.

Sandra Valeria, ao ser questionada, disse que "ja esperava essa atitude de sua filha", e a criticou por essa decisão. Alba saiu de casa e foi morar com sua tia. A decisão política de Alba acabou expondo para a cidade a relação conflituosa entre a deputada e sua filha vereadora. Sandra Valeria decidiu investir na sua sobrinha Taciana para ser uma sucessora sua na política local.

Myllena passou a ter em sua base onze vereadores, enquanto a oposição se reduziu a quatro vereadores. 

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

A Freira e a Mendiga

 

Quem já viu algumas fotos de uma freira que viveu no início da cidade de Lagoa da Italianinha se impressiona com a semelhança física entre ela e a mendiga Renata. Um detalhe é que até mesmo o nome é exatamente o mesmo. 

Na realidade, a referida freira, a Irmã Renata Augusta, nasceu na Alemanha em 1897, e era uma jovem que gostava de farras e bebidas. Até que em 1927, já prometida em casamento, decidiu largar tudo para abraçar a vida religiosa. Ela, nessa ocasião, já morava em Recife, já que sua família havia deixado a Alemanha alguns anos antes por conta das instabilidades políticas de lá. 

Renata Augusta, diante de sua família, tirou os calçados, jogou fora e rasgou sua própria roupa, o que a fazia querer dizer que dali em diante, viveria uma vida totalmente despojada. Foi deserdada, mas mesmo assim, foi para um convento. Foi mandada em seguida para auxiliar o padre Francisco em Vila Dourada, a quem Lagoa da Italianinha pertencia na época. 

Mesmo tendo sido rica no passado, a Irmã Renata Augusta fazia os serviços mais humildes, como faxina, limpeza, além de comida. Vivia com um hábito simples e de pés descalços, e agia com humildade, conversando com os animais. Mas se achava às vezes muito pecadora e costumava algumas vezes praticar a auto flagelação. 

Bom, a freira tinha uma irmã gêmea, que casou-se com o mesmo rapaz com quem ela se casaria. Uma das bisnetas dessa mulher é exatamente a mendiga Renata, que já nasceu em família pobre, pois uma neta dela perdeu tudo. Renata acabou indo parar nas ruas, mas acabou herdando a humildade da freira antepassada. Renata nem quis ir morar nos prédios quando alguns mendigos deixaram as ruas, preferindo Renata ficar do lado dos seus amigos de rua. Recentemente, Renata conheceu a história de sua antepassada: a moradora de rua foi ao colégio que leva o nome dela, o Colégio Irmã Renata Augusta, e foi apresentada pela Irmã Alcineia, a diretora do educandário. 

Giovanna serve sopa para os moradores de rua

 

Quando Giovanna Victórya, a filha da prefeita Myllena, chegou da Áustria, alguns a achavam um tanto "patricinha", e algumas pessoas lhe torciam o nariz, ocasionado pelos anos de ausência da cidade, onde acabou passando oito anos transitando entre a Alemanha e a Áustria. Giovanna se veste muito bem e ao contrário de sua mãe, não anda descalça, mas sim, usa sapatilhas. 

Giovanna, porém, quebrou esse conceito ao organizar uma noite de distribuição de sopa para os moradores de rua. Apesar de ser filha da prefeita, Giovanna não quis pedir nada à mãe, mas o fez do próprio bolso, e com a ajuda da advogada Flávia e ex-mendiga, que atualmente atua como secretária de Ação Social. 

Como Giovanna morou sozinha em Viena, ela aprendeu a preparar comida, principalmente sopa. E foi exatamente o que ela fez. Numa noite, Giovanna e Flávia foram até a Praça 27 de Dezembro, onde costumavam ficar a maior parte dos moradores de rua. A mendiga Gabriella ajudou a distribuir a sopa para os outros mendigos. 

Gabriella, sua irmã Hyasmin, além de Patrícia, Andreza, Guilherme, Gílson, Renata, Solange, Juliana, Maria, Suzy, Deza, Jéssica, Josielma, Ruth, Iraneide, Gigi, Fábia, José Felipe, Layana, a paralítica Tatá, além dos "perigosos" Plácido, Sandra, Priscila, Eric, Iago, Moninha, Dardina, Madame Anne, Lua e Silvana estiveram no local para cada um pegar suas sopas. Gabriella ajudou a organizar a fila, e Giovanna entregava à Flávia, que distribuía para cada um. 

Depois de terminar tudo, Giovanna disse à Flávia:

- Eu não sei, Flávia, como eles ficaram morando nas ruas mesmo quando minha mãe deu apartamentos para alguns que antes eram mendigos...

- Eles não quiseram ir, Giovanna. 

- Oxe, que coisa, como é que eles preferem ficar nas ruas do que ter um teto? 

- Giovanna, eu já morei nas ruas por dez anos, eu mesma era assim, eu sei o que sente cada um deles, porque eu sofri na pele. Não podemos condená-los por ter tomado essa decisão. Alguns já se acostumaram a viver ao relento, outros tem traumas, outros não querem obrigações e tem alguns envolvidos com coisas erradas. Mas a maioria, pelo menos, saiu das ruas e hoje moram lá nos conjuntos Luar do Sertão e Bella Ciao, obra que sua mãe inaugurou. 

- Eu fico feliz pelos que saíram das ruas e hoje levam uma vida mais digna...

domingo, 29 de outubro de 2023

Tia Sandra no manicômio

 

Durante o tempo que permaneceu internada no manicômio em Milão entre os anos de 1939 e 1946, a Tia Sandra viveu uma rotina bem diferente. Diagnosticada com problemas de loucura, uma espécie de retardo mental, a Tia Sandra, em 1939, já tinha 48 anos, mas agia como criança, não largando de sua boneca de pano. Várias vezes fugiu de casa e passou noites nas ruas de Verona, principalmente depois que sua sobrinha Lanie foi morar no Brasil. 

Algumas vezes, Tia Sandra tinha episódios de nervosismo, quando era contrariada ou mesmo quando aconteceu, nesse período, de algumas bombas caírem nas proximidades desse local, devido à Segunda Guerra Mundial. Era praticamente comum ver Tia Sandra usando uma camisa-de-força durante esse período que esteve internada. Sua família de Verona pouco foi visitá-la. 

Lanie, no Brasil, mais precisamente em Pernambuco, recebeu uma carta, onde contava que a Tia Sandra estava internada no manicômio. Apesar da sensação de alívio por Tia Sandra não estar mais vivendo pelas ruas, ela nutria ainda uma preocupação de trazê-la para o Brasil. 

Certo dia, em 1941, Tia Sandra recebeu seus parentes. Ela estava com camisa-de-força, e ficou bastante nervosa. Ela disse:

- Sumam daqui! Saiam da minha frente! Não quero ver vocês! Só quero ver a Lanie!!!! Sumammmmm

Tia Sandra começou a chorar, e os médicos mandaram a família dela embora. Foi a última visita da família ao manicômio. Em 1946, finalmente, Tia Sandra saiu do manicômio e foi levada por Lanie para o Brasil. 

O convite de Myllena


Recém-saído das ruas desde que ganhou um apartamento no Conjunto Residencial onde está morando atualmente, o ex-mendigo Valdenes chama atenção por liderar uma espécie de associação nos prédios Bella Ciao (onde mora) e Luar do Sertão. Num certo domingo, a prefeita Myllena foi lhe fazer uma visita. Valdenes recebeu Myllena no seu apartamento, onde mora com suas irmãs Juju Doida e Vitória. Valdenes lhe disse:

- A que devo a honra de sua visita, prefeita?

- Valdenes, sabes que o ano que vem tem eleições, e eu quero aqui manifestar um convite, espero que aceite...

- Que convite?

Myllena disse:

- Você é inteligente, lidera aqui esses prédios, e está chamando atenção na cidade, além de ser um ex-morador de rua e também até anda descalço feito eu, acho que tu devia tentar uma vaga na Câmara de Vereadores.

Valdenes disse:

- Eu?????? Oxe, minha prima Kátia deverá ser candidata...

- Kátia está no nosso alvo pra ser nossa vice. Claro que isso vai depender de muitas coisas. Mas quero que saiba que você, Valdenes, já chama atenção aqui na cidade. 

- Bom, não sei...

- Valdenes, você tem talento e sabe persuadir. Inclusive, podíamos criar uma associação para defesa dos descalços, que são discriminados aqui na cidade ainda, apesar de eu ter chegado onde cheguei. Soube que hoje num supermercado não deixaram a Sílvia, sobrinha da deputada, entrar, por estar descalça. Mesmo a deputada sendo minha adversária, prestei solidariedade à ela. E eu nem vou nesse supermercado, mando sempre minha filha Giovanna. 

- Bom, pode ser... absurdo isso que aconteceu com a... Sílvia. 

- Pense no convite e na outra ideia que eu lhe dei. 

- Bom, tô correndo de política... mas vou pensar. 

Myllena saiu, e Vitória disse:

- Aceita, Valdenes. Tu sendo vereador, vamos sair desse lugar de mundiça e vamos ser ricos. 

- Deixe de tuas besteiras, Vitória. Não ia querer ser vereador pra ganhar dinheiro, e sim pra trabalhar pela cidade. 

Vitória disse:

- Meu irmãozinho parece que se esquece que está no Brasil...

A Família Villegagnon

 

No começo do século XX, em Vila Dourada, município do interior de Pernambuco que englobava o sítio Maniçoba, atual Lagoa da Italianinha, vivia uma família rica e poderosa. Descendente de Jacilene, tida como uma das fundadoras da cidade, Jorge veio da França e se casou com Joana, que era pernambucana. O casamento ocorreu em 1889, e eles geraram sete filhos: Arnaldo, Beatriz, Carlos, Dalva, Estêvão, Francielly e Gustavo, além da adotada Helena. Jorge tornou-se líder político nessa cidade. 

Como já contado em uma história anterior, a Francielly se envolveu com o motorista Leandro, vinte anos mais velho que ela, sendo ela expulsa de casa e deserdada. Morreu tragicamente em uma queda de cavalo quando seus pais e irmãos eram todos ainda vivos, em 1935. 

A Segunda Guerra Mundial mudou a vida dessa família, já abalada pelo escândalo com a filha preferida de Jorge. Arnaldo foi chamado para combater na Segunda Guerra Mundial, mas acabou morrendo na Itália, na tomada de Monte Castelo, nas mãos do seu conterrâneo Antônio Neto. Joana era viúva já na ocasião e teve que lidar com a perda do segundo filho. Joana, já doente e idosa, foi morar no interior do Piauí com sua filha Beatriz, a que mais amava sua mãe. 

Quanto aos outros filhos, o Estêvão também causou desgosto na família ao se tornar comunista e se envolver nessas lutas do proletariado. Dalva foi a mais malvada das filhas, tendo até mesmo roubado sua mãe. Alguns até a acusavam de ter provocado a morte de Francielly, inclusive. Carlos se envolveu na política, tornou-se prefeito de Vila Dourada, mas viu a emancipação de Lagoa da Italianinha ocorrer durante seu mandato. Carlos acabaria morrendo pouco depois, ainda como prefeito. 

Gustavo se tornou padre, e Helena, a filha adotada, constituiu família, tendo sido a única a viver até o começo do Século XXI. 

Em Vila Dourada, nove ruas nomeiam cada um dos membros da família, menos Francielly, que em compensação, nomeia uma das ruas principais de Lagoa da Italianinha, cujo líder da emancipação foi seu filho Augusto, que seria prefeito da cidade por duas vezes. 

Lua e Ellen na rodoviária

 

Numa certa tarde, na rodoviária de Lagoa da Italianinha, estava a mendiga Lua, tomando um café por ali. Lua é uma moradora de rua revoltada, que só se veste de preto e gosta de dormir nas ruas próximas ao cemitério da cidade. 

Ali apareceu Ellen, a ex-mendiga, e disse:

- Tu ainda tais pelas ruas, mulher?

- Claro. Não tenho nenhum interesse em morar debaixo de teto, sou revoltada contra tudo e contra todos. 

- Eu acho que isso não te faz bem. 

- Pois é isso que me faz bem, a revolta... 

Ellen se sentou, e Lua disse:

- E tu, maloqueira, ainda mora nas ruas?

- Não, eu fui para os apartamentos lá no Monte Castelo. 

- Oxe, e tu continua suja, encardida e fedendo assim?

Ellen disse:

- Ah, mas eu gosto de ser assim. 

- Pois quem nos ver juntas aqui vão pensar que é tu quem mora na rua, e não eu. 

- Eu nunca me lixei pro que dizem de mim - disse Ellen, que pediu um café pra tomar. Ellen tomou o café se retirou. Lua disse:

- Oxe, maloqueira fedida da gota...

O medo de Inalda

 

Vivendo no Brasil desde 1915, a pintora alemã Inalda viveu momentos de angústia na década de 30. Por volta de 1936, temia pela sua sorte quando lhe chegou a notícia do que havia acontecido com Olga Benário Prestes, que assim como Inalda, era judia e alemã. 

Certo dia, ela estava na venda de Ed, e ele notou que Inalda estava muito apreensiva. Ed disse:

- Por que está assim, Inalda?

- Soubesse não? Olga foi entregue para a Gestapo! 

- Sim, eu soube. Mas o que isso tem a ver com você?

Inalda se levantou e disse:

- Eu sou judia e sou alemã, Ed! Se eu for descoberta, eu posso ser deportada e vou parar num daqueles malditos campos de concentração!

- Calma, Inalda. Olga se envolveu em uma revolta contra o governo Vargas, isso não é seu caso. Desde que você veio para o Brasil, você tem vivido em paz. 

Inalda disse:

- Sei lá.... aquele monstro que tá governando a Alemanha é capaz de tudo. Ele já deixou sempre claro o ódio dele contra os judeus. Eu não posso nunca duvidar a maldade dessa gente. 

- É melhor se acalmar, Inalda. Nada acontecerá com você.

Inalda se levantou, e saiu, indo nadar em um lago próximo. Apesar de sua apreensão, nada aconteceu com ela, a não ser um episódio de ter seu rádio confiscado, já depois do Brasil ter declarado guerra contra Itália, Alemanha e Japão. 

Sílvia é barrada no supermercado

 

Num certo domingo, Maria Bonyta, irmã da deputada federal Sandra Valéria, foi ao supermercado com sua filha Sílvia e a sua sobrinha, a jornalista Taciana. Esse era o maior supermercado de Lagoa da Italianinha, por sinal.

Mas Sílvia, porém, foi impedida de entrar, pelos seguranças. Simplesmente porque Sílvia estava descalça. Sílvia disse:

- Oxe, tão malucos, é? Eu não uso calçados, ando sempre assim. 

- Aqui não pode!

Taciana disse:

- Mas que absurdo, ela tem direito de entrar como quiser. 

Começou ali um verdadeiro bate-boca. Maria Bonyta quis defender a filha, mas não deu. Maria Bonyta e Taciana entraram pra fazer compras, enquanto Sílvia teve que ficar esperando do lado de fora. 

Ao voltarem, Maria Bonyta disse para Sílvia:

- Sílvia, acho melhor tu comprar alguma sandália só pra esses casos...

- Oxe, quero não. Até a prefeita anda assim, porque eu não?

Taciana disse:

- Pois é, mas vou procurar um advogado, acho que podemos processar esse supermercado. 

sábado, 28 de outubro de 2023

Kátia sonha com a ascensão política


Depois que Marlene rompeu com a prefeita Myllena, passando a ser sua adversária, a vereadora Kátia vem trabalhando mais forte para ser indicada na próxima eleição como vice na chapa de Myllena. A atual vice-prefeita, Marcella, não disputará o próximo pleito, por decisão própria. 

Kátia mora no Loteamento Maria Clara, e ela já começou com seu "gabinete móvel" passando pelas comunidades de Lagoa da Italianinha. Kátia ainda pretende criar um programa semanal, uma live, para entrevistas. 

Na Câmara, Kátia vem lutando para que a casa do seu avô Antônio Neto, o ex-pracinha da guerra, seja tombada como patrimônio histórico. Atualmente, Antônio Neto tem 98 anos e é cuidado por sua neta Suziana, irmã de Kátia. Kátia também adotou um visual, como vaqueira: usa um chapéu de vaqueira, blusa, calça e botas. 

Kátia era assessora de Sandra Valéria, e foi candidata a vereadora em 2016, mas ficou na primeira suplência, só vindo a assumir em 2018 com a renúncia de Adriana, que largou tudo para ir morar na floresta. Kátia rompeu com a prefeita Janayna, apoiada por Sandra, e se uniu à Myllena, e em 2020, foi eleita vereadora apoiando a prefeita descalça, que foi eleita também no mesmo pleito. Desde então, Kátia vem crescendo na política local. 

A pergunta de Talita

 

Numa certa noite, na praça 27 de Dezembro, a mendiga Gabriella estava por ali, sozinha, quando apareceu a jornalista Talita, a que lhe entrevistou outro dia. Talita disse:

- Incomodo?

- Não, não. Pode sentar.

Talita sentou-se, e disse:

- Gabriella, ore por mim, tô vivendo um inferno em casa. 

- Por que????

- Minha tia é uma mulher rica, Madame Eliene, mas ela me inferniza muito, ela é muito unha-de-fome, e eu sou uma de quatro irmãs quadrigêmeas, mas só me dou bem com uma, a Renatinha, e as outras duas, Renée e Natali, são falsas e manipuladoras. 

- Tu me falou que essa Renée era crente...

- É, ela se diz crente, mas é falsa e hipócrita, adora falar dos outros...

Gabriella disse:

- Ore por elas...

Talita disse:

- Posso te fazer uma pergunta?

- Faça. 

Talita disse:

- Como eu poderia fazer pra ser, tipo assim, uma discípula sua, ficar ao seu lado, com seus ensinamentos?

Gabriella riu e disse:

- Discípula nada, seja discípula de Cristo, isso já é bastante...

- Mas me responde, por favor...

Gabriella pensou e disse:

- Talita, eu nunca pensei em ser "mestra" de ninguém, eu tenho amigas nas ruas, minha irmã Hyasmin, além da Suzy, da Maria e da Josielma, mas não são "discípulas". Mas se fosse pra ser, eu não lhe recomendaria, sabe?

- Por que?

- Porque eu sou moradora de rua, não tenho onde dormir, nem onde me espichar. Eu vivo nas ruas, no relento, levo sol, levo chuva, uso uma roupa velha, ando descalça, durmo em calçadas e bancos de praça, tomo banho no chafariz com roupa e tudo e uma vez ou outra pego esmolas. Pra ser uma "discípula" minha, teria que jogar tudo pro alto e viver aqui, nas ruas, ao meu lado, e sem nada. Renunciar a tudo, mesmo. Mas isso sabe como é...

Talita disse:

- Tá certo... só isso que queria saber. Vou indo, boa noite. 

- Boa noite. 

Talita se retirou, e Gabriella ficou pensando porque ela havia feito tal pergunta. 

Lúcia quer que Cássia se case

 

Há alguns dias, em Lagoa da Italianinha, Cássia havia recebido um piano de presente e não largava dele. Ela havia ganho o instrumento de sua avó, Alycia, que vive atualmente em Verona. Em dado momento, Cássia tocava piano quando sua irmã Lúcia apareceu:

- Cássia, que bom te ver tocando, você é uma pianista de mão cheia. 

- Obrigada!

- Sabe, Cássia... eu queria que tu se casasse, ia ser tão bom tu arrumar um amor...

- Oxe, quero não... me sinto tão bem, sozinha... e depois, ninguém ia me querer. 

Lúcia disse:

- Mas como não? Tinha um rapaz de família boa de Jurema que ficou interessado em tu...

- Mas ele desistiu de mim quando soube que faço cocô nas calças... - disse Cássia. 

Lúcia disse:

- Poxa, um partido bom...

- Ele é um tremendo canalha, isso sim...eu já soube que ele é galinha... foi bom eu ser sincera com ele, dizer meus costumes... ele correu, achei bom. 

- Também, essas suas manias, tu não pode viver sem se molhar ou se lambuzar, por favor, né?

- Oxe, mas é o que me alegra... banho de chuva, banho no rio, levar torta na cara, me sujar na lama...

Lúcia disse:

- Mas assim tu nunca vai se casar...

- Então, deixe eu solteira, mesmo...

Cássia começou a tocar músicas clássicas de Chopin, e Lúcia ficou observando. 

Suzy na rodoviária


A mendiga Suzy chegou pela manhã cedo na rodoviária de Lagoa da Italianinha e pedindo um café, tomava, pensativa.

Suzy é a mendiga que tem um visual mais excêntrico: ela é careca, nunca deixa seus cabelos crescerem. Suzy sempre teve vontade de raspar a cabeça mas não tinha coragem e tinha medo de ser criticada. Ela só tomou coragem quando viu de perto a juíza Suely, que é careca.

Suzy usa uma blusa rosa suja, saia longa e anda descalça. Ela ainda costuma andar com as mendigas Gabriella, Hyasmin, Maria e Josielma, que são cristãs. Gabriella pregou a palavra para Suzy e ela se converteu, e agora é uma das que ajuda Gabriella. Suzy também costuma ajudar outros moradores de rua quando pode. Uma mendiga que sempre tem sua atenção especial é a Tatá, que é paralítica de nascimento e se arrasta pelo chão.

Não se sabe sua origem. Conta-se que ela seria neta de russo, e que esse russo teria participado da tomada de Berlim em 1945. Após o conflito, esse russo teria vindo para o Brasil pra fugir do Comunismo. Mas Suzy pouco ou nada fala sobre isso.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

A Mendiga Limpa


 Entre os moradores de rua, uma chama atenção por ser mais limpa e não ter muito a característa de ser exageradamente suja como outros mendigos: a Solange usa uma blusa vermelha e uma calça branca, apenas um pouco manchadas. Solange anda descalça sempre, mas costuma lavar os pés com mais frequência.

Três vezes por dia ela se banha no chafariz da praça, e as vezes em um banheiro do posto de gasolina. Solange ainda tem outro hábito interessante: nas calçadas onde ela dorme, ao acordar, pede emprestada uma vassoura a algum vizinho e varre a calçada. Sendo necessário, até joga água.

Sozinha no mundo, Solange vive nas ruas há anos e nem foi morar nos prédios quando alguns ex mendigos foram para lá. Alega sentir-se mais livre, além de se dar melhor com os que continuaram nas ruas, a exemplo de Patrícia, Guilherme, Andreza, Renata, Gilson e Gabriella. 

Café com mendigos

 

Numa certa manhã, os mendigos Andreza e Guilherme estavam tomando café na rodoviária de Lagoa da Italianinha, quando passou Valdenes, e esse, indo para o trabalho, também foi tomar café. Valdenes se sentou com eles, sendo que Guilherme é seu irmão. 

Andreza disse:

- Parceiro, tu faz falta aqui nas ruas com a gente, viu? Deveria ter ficado com a gente. 

- Mas eu tive motivos... e vocês não querem sair das ruas de jeito nenhum?

Guilherme disse:

- Não. Eu amo a liberdade. 

Valdenes disse:

- Mas deixe de coisa, homem. Pense numa coisa ruim é ficar dormindo ao relento, nas calçadas...

Andreza disse:

- Mas pelo menos, não pagamos contas nem temos essas obrigações. O dinheiro que ganho lavando carros, o Guilherme também, é dinheiro só nosso. 

- É verdade, irmão. 

Valdenes disse:

- Pois lá, Jad está morando em um apartamento com Maria Rita, e em outro estou com as nossas outras duas irmãs, a Juju Doida e a Vitória. 

Guilherme disse:

- Boa sorte e muita paciência, Valdenes. Tu vai precisar. 

Valdenes pagou o lanche dos dois mendigos, e disse:

- Vou agora trabalhar. Juízo, vocês dois...

- Está certo - disse Guilherme. 

Irmãs separadas pela política


Em Lagoa da Italianinha, duas irmãs pouco se falam por questões políticas e ideológicas. Vale ressaltar que Mimi, a ex-sem-terra que atuou na política local por algum tempo, é irmã de Paula, a empresária dona de um restaurante. Mimi e Paula são descendentes da cantora portuguesa Mary Dee, cuja bisavó as duas se orgulham. 

Mas desde a juventude de Mimi, ela foi colocada pra fora de casa por assumir ideias de esquerda, além dela ter se juntado ao movimento dos sem-terra na época. Paula ainda ficou horrorizada com o visual excêntrico que Mimi havia adotado: vestindo-se em estilo hippie, andando com um pé calçado e outro descalço, e anos mais tarde, ainda raspou a cabeça por opção. 

Mimi foi deserdada e a fortuna que seria dela foi dividida entre Paula e a outra irmã delas, Luciana, a dona da pensão nas proximidades da rodoviária. Mas Mimi não fez caso e nem se importou em ter sido deserdada. 

Paula, durante anos, sempre votou com a direita na cidade, votando em Moab, Jurandyr, e anos mais tarde, na atual prefeita Myllena. Já Mimi votava com Sandra Valéria, e na eleição mais recente, foi até candidata a vice de Janayna. Nem nessa ocasião contou com o voto de sua irmã, que sempre defendeu a direita conservadora. 

Porém, ao saber que Mimi está diabética, Paula chegou a ensaiar uma aproximação com sua irmã. Surpreendeu-a com sua visita na barraca da feira livre onde Mimi vende lanches. Conversa vai e conversa vem, Paula lhe disse:

- Deveria ter me dito que estás diabética, eu não me negaria a te ajudar. 

- Mas eu não queria te incomodar, Paula - disse Mimi - e além do mais, estou feliz, a doença está controlada. 

- E você ainda permanece careca, com uma sandália apenas no seu pé direito e com esse jeito hippie? 

- Sim, eu amo ser assim... 

- Tá bom, Mimi. Mas a gente se afastou demais... e nossa outra irmã Luciana tem aquela pensão lá perto da rodoviária, você sabe né?

- Sim, a gente se fala de vez em quando. 

- Muito bom saber. 

Paula fez um lanche na barraca de Mimi, e depois disse:

- Quando tu quiser ir lá pro restaurante, pode ir, a porta está aberta. E pode ir assim como você é, embora eu ache esquisita... mas vá. 

- Está bem, obrigada. 

Paula e Mimi se abraçaram, e Paula seguiu seu rumo. 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Myllena visita o Sítio Mandacaru

 

No sítio Mandacaru, a extremo oeste do município de Lagoa da Italianinha, vivem alguns habitantes por ali. O referido sítio fica muito afastado do centro da cidade, sendo quase na divisa com Lajedo. A vereadora Maria Isabel mora no sítio, e levou ali a prefeita Myllena, com quem se aliou recentemente. Alguns dos moradores da localidade receberam a prefeita descalça, que estava com a vice-prefeita Marcella. 

Além de Maria Isabel, estava ali a Adilma, que é prima distante de Myllena, além das irmãs Aline Débora e Cyntia Fernanda e a humilde Genezya. Myllena disse:

- Maria Isabel me apresentou requerimentos para esse sítio, aqui precisa de uma atenção especial da gestão. E eu dei essa atenção, mas podemos fazer mais. Maria Isabel, mesmo quando era oposição, reconheceu que eu jamais abandonei esse sítio. 

Adilma disse:

- Pois é, a prefeita nunca abandonou aqui. 

- E eu estou disposta a ajudar mais ainda - disse Myllena. 

Maria Isabel retrucou:

- Aqui também moram muitas mulheres, e poderíamos trazer cursos pra cá. 

- Seria ótimo. - disse Myllena. 

Mas Myllena também pretendia "dar uma carga" em Maria Isabel, pois na mesma comunidade mora outro vereador, o esquerdista Wilon, que é da oposição e ligado à deputada estadual Janayna. Além dele, quem vive no referido sítio é a Mimi, a jovem ex-sem-terra que largou a política recentemente, mas mesmo assim, é bastante procurada. Myllena confidenciou com Adilma e Maria Isabel que deseja que Maria Isabel tenha votação superior à de Wilon na comunidade. 

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Talita escreve sobre Gabriella


Depois de ter entrevistado a mendiga Gabriella, a jornalista Talita deixou por escrito sua impressão:

"Na manhã de hoje, estive no terminal rodoviário aqui em Lagoa da Italianinha, com uma jovem chamada Gabriella. Ela não tem casa e dorme nas ruas. Usa uma blusa preta rasgada e suja, calça jeans azul e anda descalça o tempo todo... É alta e magra, cabelos longos e pretos, olhar calmo. Mas ela já foi rica. Não pude acreditar quando ela me contou das maldades que fazia quando era uma "patricinha" - palavras dela própria.

Hoje, ela é cristã, se converteu assim que perdeu tudo. Me chama a atenção a humildade dela. Ela não pretende mais nada na vida a não ser "salvar almas". Só faz questão de ter consigo roupas pra se vestir e comida pra se alimentar. Ela costuma ajudar outros mendigos e os ama do fundo do coração. Tenho uma irmã que é crente, mas ela não consegue me passar a paz que essa simples moradora de rua é capaz de passar. Talvez porque minha irmã é apenas uma religiosa que não entende a essência de Cristianismo". 

A Zebra de 1969


Até hoje, em Lagoa da Italianinha, se lembram no mundo esportivo da "zebra de 1969". Trata-se de um fato que ocorreu no campeonato municipal daquele ano.

Era a terceira edição do referido campeonato, e apenas o Asa Branca e o Aurora, time dos imigrantes italianos, eram as duas forças. Germânia, Lusitânia e Pindorama nem de longe davam pinta que seriam grandes na liga.

Nos anos anteriores, o Asa Branca e o Aurora fizeram as finais do campeonato por duas vezes seguidas. O Asa Branca venceu a primeira em 1967 e o Aurora deu o troco em 1968.  

Chegaram as semifinais, e o Asa Branca liderou a primeira fase, com o Aurora em segundo lugar. Germânia e Lusitânia sofreram pra ficar em terceiro e quarto, respectivamente. O Pindorama ainda brigava pra entrar, mas ficou de fora por um gol.

O Asa Branca enfrentaria o Lusitânia, e o Aurora enfrentaria o Germânia. Mas os dirigentes do Asa Branca e do Aurora já se reuniam para combinar os jogos da final, com todos os detalhes, sem nem realizar ainda as partidas da semi.

Aí entrou a zebra: o Asa Branca saiu na frente, mas o time do coronel Pontes Florêncio levou uma virada do time de imigrantes portugueses, e o Lusitânia foi classificado para a final. Já o Aurora empatou em 0x0 com o Germânia, time dos imigrantes alemães, e nos pênaltis, o Germânia fez 5x4, sendo que os dois jogos tiraram da final os únicos dois times que haviam feito final até então, provocando uma final inédita.

Na final, o Germânia venceu por 2x1 o Lusitânia e sagrou-se campeão. Mas o Lusitânia seria campeão logo no ano seguinte, em 1970, e o Pindorama venceria em 1971. 

Mimi oferece lanche para a mendiga Fábia


 Numa certa tarde, em sua barraca na feira livre em Lagoa da Italianinha, Mimi notou a presença de uma mendiga ali perto, uma jovem alta e com chupeta na boca. Era a mendiga Fábia. Notando que ela tava com fome, Mimi disse:

- Quer lanchar? Venha, é por minha conta.

Fábia ficou feliz. Mimi serviu um lanche com suco. Em dado momento, Mimi disse:

- Tira a chupeta da boca senão tu não come.

Fábia tirou a chupeta, e ia lanchando. Mimi disse:

- Tu tem família?

Fábia disse:

- Não. Sou sozinha. 

Mimi disse:

- Somos duas... Isto é, eu até tenho família, mas me deserdaram quando adotei esse visual de raspar a cabeça, usar calçados só no pé direito e entrar para os sem terra. Até hoje não falam comigo.

Fábia disse:

- Pois procure eles, fale com eles. Eu não tenho família mesmo, mas você tem. Valorize.

- É... Pode ser.

- Eu moro nas ruas, vivo assim andarilha, não tem ninguém por mim - disse Fábia. - mas você tem. Talvez só basta você se aproximar.

Fábia terminou o lanche, pos a chupeta na boca e agradeceu. Mimi disse:

- Quem diria que essa jovem pobrezinha me daria uma lição assim...

Jornalista se impressiona com Gabriella

 

Recém-chegada em Lagoa da Italianinha, a jornalista Talita, uma das "quadrigêmeas", foi procurar pesquisar sobre a mendiga Gabriella, a conhecida mendiga cristã, que vive pelas ruas da cidade. Encontraram-se na rodoviária., onde tomavam um café, e Talita disse:

- Você é uma estrela, viu? Aqui o pessoal fala de você...

- Sou nada, sou apenas uma missionária sem teto...

- Você foi rica, nasceu em berço de ouro, hoje vive assim pelas ruas, Gabriella? Não pensa em mudar de vida?

Gabriella disse:

- Quando eu perdi tudo, achei que era uma tragédia na minha vida, mas eu fui tocada e hoje, eu faço disso uma forma de levar a mensagem aos sofridos. Não penso em mais nada na vida, só em pregar essa mensagem, as pessoas que mais sofrem são os de rua, e eu quero ficar do lado deles. 

- Pois é...eu fico imaginando como é largar tudo e viver assim, sem teto, dormindo pelas ruas... 

- Bom, não digo que larguem tudo, simplesmente digo que não amem as riquezas deste mundo. Eu já fui dona de tantas coisas, roupas, calçados, e era tão fútil... hoje tenho apenas essa roupa no corpo, ando de pés no chão e me sinto bem assim. Eu vejo as coisas acontecendo, Jesus está voltando e eu só penso apenas em levar a mensagem Dele para as pessoas, não quero mais nada material na minha vida, me conformo só com a roupa e poder comer, também, tá muito bom. 

Talita ficou impressionada. Mais tarde, Talita comentou com a irmã dela Renée, a crente:

- Tu acredita que hoje eu conheci a mendiga cristã, a Gabriella? Fiquei impressionada com ela. 

- Essa daí eu sei quem é... fica pelas ruas espalhando heresias, pregando para largar tudo. Ela quer é chamar atenção. 

Talita disse:

- Não, Renée. Eu não acho isso. Gabriella me chamou atenção pela sua humildade... em um tempo que os seres humanos buscam desesperadamente ser melhor que os outros, ter mais que os outros, Gabriella mostra-se diferente... ela se considera apenas uma serva, que faz pequenos serviços, ela nem pede esmolas, por sinal. Ela passa o dia orando, contemplativa. Usa uma roupa simples, uma camisa preta rasgada e suja, uma calça jeans meio velha e suja, anda descalça e nem tem vaidade. 

- Cuidado pra não se deixar seduzir por essa herege. 

- Não fala besteira, Renée. 

terça-feira, 24 de outubro de 2023

A Filha da Prefeita


Giovanna Victorya, a filha da prefeita Myllena, chegou recentemente de Viena, onde passou uma temporada. Ela esteve entre Alemanha e Áustria entre 2015 e 2023. De 2015 a 2019, morou em Berlim, e de 2019 até 2023 esteve em Viena.

Ela havia sido mandada pra lá para estudar e ficar longe das agitações políticas onde sua mãe estava envolvida. Na época, Myllena era vice prefeita mas estava rompida com a então prefeita Sandra Valeria.

Com a sua volta a Lagoa da Italianinha, Myllena deseja lançar a filha na política. A prefeita descalça não esconde que deseja ver Giovanna um dia ocupando a cadeira que ela atual ocupa. 

Em todas os eventos da gestão, Giovanna, que não tem cargo na Prefeitura, se faz presente. De vez em quando ela escuta um murmurinho de "futura prefeita". 

A ambição de Jamile


No ano de 1936, a humilde família que vivia em uma cabana no sítio Maniçoba na direção da cidade de Vila Dourada lutava pela sobrevivência. Jadilson e seu filho Jadiel trabalhavam na agricultura, enquanto Janaína, a esposa de Jadilson e mãe de Jadiel, vivia pelas ruas de Vila Dourada vendendo comida.

Jamile, a filha mais nova de Jadilson e Janaína, não pensava em trabalhar, e tentava uma amizade com a Jennifer, a filha do coronel Jefferson. 

Mas Jennifer não gostava da ideia de ser amiga de uma "pobre analfabeta". Não foram poucas as vezes que Jadilson e Janaína, e até mesmo Jadiel, chamavam atenção da Jamile por conta de tentar ser amiga de uma "patricinha prepotente".

Jamile não fazia isso por maldade, mas pensava apenas em um caminho mais curto para melhorar de vida com seus pais e irmão. Apesar de aparente ambição, Jamile não tinha vergonha de sua família e dizia de onde viera e ela não escondia nem mesmo onde morava.

Um namoro às escondidas em Verona


Na década de 20, na mesma cidade famosa por seu romance proibido de Romeu e Julieta, acontecia quase que algo parecido. Em Verona, Jadiael, um jovem socialista, apaixonou-se por Lanie, que fazia parte de uma família muito rica. Evidente que o pai de Lanie não gostou da ideia. Aliás, na família, apenas Sandra, a tia de Lanie, que tinha mente de criança, gostou do rapaz. 

Tia Sandra dizia para Lanie:

- Ele te ama, casa com ele... 

- É o que mais quero, tia Sandra...

Jadiael não precisou, pelo menos, cometer as mesmas loucuras do casal famoso da tragédia; ele teve coragem de enfrentar os pais de Lanie, e foi até a casa dela. O ano era 1928. Jadiael e Lanie já se encontravam às escondidas desde 1927, pelo menos. 

Jadiael disse:

- Vou ser direto no assunto, eu amo a Lanie e quero me casar com ela!

O pai de Lanie disse:

- Mas era só que me faltava. Minha filha de casar com um socialista sem eira nem beira! 

Lanie disse:

- Pai, eu quero me casar com ele.

- Filha, se tu se casar com ele, tu vai ter vida agitada! Tu não sabe o momento político que estamos passando?

- Sei de tudo isso, pai. 

Apesar de todas as contrariedades, Jadiael conseguiu convencer o sogro. Em 1929, Jadiael e Lanie se casaram, finalmente. A primeira filha, Alycia, nasceu já em 1930, e o segundo filho, Arthur, nasceu em 1934. Em 1935, deixaram a Itália por questões políticas e se estabeleceram no Nordeste do Brasil, onde floresceriam a cidade de Lagoa da Italianinha, em pleno agreste de Pernambuco. 

A Cidade dos descalços

 

Em Lagoa da Italianinha, uma títpica cidade do interior do Nordeste, algo a mais chama atenção por ali: alguns de seus habitantes andam descalços para todo canto. Não somente pessoas pobres, mas até mesmo pessoas de alta sociedade, a exemplo inclusive da prefeita Myllena e da vereadora Vanessa. 

Lá no tempo do começo da cidade, a camponesa Maria Clara, filha de índios, nunca foi vista usando qualquer calçado. Ela sempre estava descalça, não importa para onde fosse. Além dela, o agricultor Antônio Neto, a imigrante italiana Giuliana e o pequeno imigrante italiano Arthur também costumeiramente andavam de pés no chão. 

Nos dias atuais, além de Myllena e Vanessa, temos também o exemplo de uns ex-mendigos que mesmo depois que saíram das ruas, continuaram descalços: Andréa Descalça, Janielle, Valdenes e Vitória, por exemplo. 

Mas mesmo assim, existe uma certa discriminação: existem lugares onde pessoas descalças não poderão entrar, além de haver algumas pessoas preconceituosas quanto a isso. A prefeita Myllena, descalça convicta, inclusive, aumentou o serviço de limpeza das ruas da cidade. Embora não seja algo comum, e seja uma minoria que decidiu se abster de calçados na cidade, eles chamam atenção. 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

A Estranha Monalisa


 Em Lagoa da Italianinha, o vereador Marco Aurélio recebeu sua irmã Monalisa que passou um tempo no Rio de Janeiro. Outra irmã deles, a Michele, não estava em casa nessa hora.

Monalisa tem um visual bem excêntrico: careca por opção, usa roupa preta e é uma espiã que vez por outra ajuda tanto seu irmão como seu tio, o deputado estadual Moab.

Monalisa ainda se da bem com a prima, Danuzia, a quem também ajuda costumeiramente. Mas Monalisa não é querida na cidade, sendo que muitos até têm medo dela, pois através dela, vários segredos foram revelados. 

Gambás em campo


A história do futebol em Lagoa da Italianinha vem cercada de acontecimentos bizarros. Um deles aconteceu na semifinal da Liga Municipal no ano de 1976. O Asa Branca, time do então prefeito Coronel Pontes Florêncio, havia se classificado para a semifinal e pegaria seu grande rival Aurora, o time dos imigrantes italianos. A outra semifinal foi entre outros dois times de imigrantes, o Germânia e o Lusitânia.

Nessa pequena cidade do interior de Pernambuco, o coronel Pontes era a lei e a palavra dele valia mais que a própria lei municipal. Ele não engoliu a derrota na final de dois anos antes, quando o Aurora foi campeão em cima do Asa Branca. Pra isso, o coronel mandou seus capangas pegarem vários gambás para soltar no dia do jogo. 

Durante a partida, não saiu gol. Ficou 0x0 até o fim quando de repente, um bocado de gambás invadiram o campo. Os jogadores do Aurora ficaram assustados e a partida ficou paralisada durante 20 minutos até retirarem os bichos do campo. Mas o mau cheiro perdurava.

Tontos, os jogadores do Aurora ainda foram valentes, mas tomaram 1x0 no final da partida. O Asa Branca comemorou a ida para a final contra o Germânia, que havia derrotado o Lusitânia.

Mas na final, apesar de toda imposição do coronel prefeito, o Germânia venceu a final por 2x0, sendo o campeão da liga. 

domingo, 22 de outubro de 2023

A vida dos ex-mendigos

 

Tendo saído das ruas em 2022, alguns ex-moradores de rua hoje levam uma vida um pouco diferente do que estavam acostumados antes de ganharem os apartamentos nos condomínios Luar do Sertão e Bella Ciao. 

Andréa Descalça, por exemplo, permanece um tanto sedutora. Atualmente, trabalha no mercado público, na lanchonete de Edsandra - a irmã de Marlene e Flor -. Jad, por sua vez, vem trabalhando em alguns bicos, e sua filha Maria Rita está trabalhando com Paula no seu restaurante. 

Janielle passou a vender picolés pelas ruas de Lagoa da Italianinha, e sua irmã Janicleide não trabalha, pois se atrapalha em tudo que faz. 

Ellen, que também vivia nas ruas, apenas mudou de morada, mas continua suja e sem se banhar, além de usar a mesma roupa. Alguns vizinhos do Luar do Sertão reclamam de seu mau cheiro. Ellen diz que adorou sair das ruas, mas ama ser suja e detesta água do mesmo jeito. 

Flaviana, que também vivia nas ruas, hoje trabalha na lanchonete de Quitéria, mas chegou a trabalhar antes na lanchonete de Marlene, na rodoviária, tendo sido demitida de lá e se voltado contra Marlene, e agora trabalha com Quitéria, de quem Marlene foi funcionária e é inimiga.

Josy tenta, por sua vez, arrumar um trabalho, e cuida de seu filho Joaquim. Já a Pri, também ex-mendiga, ainda sem saber ler e escrever, pois sempre morou nas ruas, está em uma pequena lanchonete da rodoviária, também de Marlene. 

Os irmãos de Jad também mudaram de vida: Valdenes hoje trabalha na escola de música de Eraldo e atua como desenhista. Mas ele sofre para sustentar as duas irmãs Vitória e Juju Doida. Isso por que Vitória é preguiçosa e Juju Doida tem problemas mentais. Guilherme, o outro irmão deles, preferiu continuar morando nas ruas. 

Rúbia, que nas ruas costumava dar golpes e pedir esmolas, ainda continua fazendo a mesma coisa. Não quer trabalhar e vive pela rodoviária, pedindo esmolas, bem como nas filas de casa lotérica. 

Outras duas irmãs que moravam nas ruas, Déia e Drica, também mudaram de vida e procuram trabalho, mas agora moram dignamente em um apartamento no Bella Ciao. 

Além deles, existem outros ex-mendigos ali, mas cada um com sua particularidade. Esses que aproveitaram a oportunidade e deixaram as ruas para viverem debaixo de um teto, ao contrário de outros. 

A esquisitona do Sítio Maniçoba

 

Na década de 30 para a década de 40, no sítio Maniçoba, atual Lagoa da Italianinha, vivia uma jovem tida como "estranha". Solitária, conta-se que ela era sobrinha de Ed, o dono da venda famosa no sítio. Ela se vestia sempre com roupa preta e pouco saía de casa. Conhecida como Chelynha. 

Espalhava-se no sítio e também na cidade de Vila Dourada que Chelynha era uma "vampira". Sem contar que Chelynha chegou a assustar crianças e até andava pelo sítio muito tarde da noite. 

Ed dizia que Chelynha tinha problemas de loucura, e gostava de assustar as pessoas com seu jeito de ser. Certo dia, Chelynha foi na casa do tio, e ele disse:

- O povo fala muito de tu, viu? Qualquer dia desses chamam a polícia, vai dar certinho pra tu...

- Tô me lixando pro que falam. Tô me lixando pra essa cambada de fofoqueiro desocupado. 

- Mas não devia ser assim, Chelynha. 

- Tio, não se meta na minha vida, já não bastam esses fofoqueiros. 

Chelynha, porém, era uma vilã perigosa. Ela chegou a tentar atrapalhar a amizade entre o agricultor Antônio Neto e a imigrante italiana Alycia, sem sucesso. 

Marlene oficializa rompimento com Myllena

 


Marlene, a empresária e cantora, depois de ter sido exonerada pela prefeita Myllena da diretoria do Terminal Rodoviário, e sua irmã Flor, que pediu demissão da secretaria de Cultura, reuniu toda a imprensa na casa de recepções de Poliana, onde oficializaram o rompimento político com a "prefeita descalça". 

No momento, estavam ali a deputada federal Sandra Valéria, os deputados estaduais Moab e Janayna, e os vereadores da oposição Marco Aurélio, Alba Valéria, Wilon, Kauan e Fagner. Na ocasião, a deputada Sandra Valéria deu as boas-vindas à Marlene e Flor, e conclamou pela união da oposição contra Myllena. 

- Lagoa da Italianinha não tem segundo turno, portanto é importante que possamos unir forças para derrotar essa prefeita arrogante e incompetente, a quem até hoje me arrependo de ter dado força para a carreira política dela. 

Marlene falou em seguida, e disse:

- Precisamos de uma oposição forte e unida, não se trata de projeto pessoal, mas sim, de algo maior para a cidade. Eu vim de baixo, morei nas ruas, conheço a pobreza extrema, cresci na vida, e hoje estou aqui, e quero batalhar para tirar da Prefeitura essa prefeita e espero o apoio de todos. 

Mas apesar da troca de elogios, Sandra Valéria não confirmou apoio à uma candidatura de Marlene. Mesmo assim, Marlene seguia trabalhando nos bastidores para convencer os deputados que ela é a melhor candidata para derrotar Myllena. 

Uma final conturbada


A final do campeonato de Lagoa da Italianinha no ano de 1974 foi a primeira grande final conturbada da história do torneio. Acontece que a feminista Lidia Silva havia sido encontrada sem vida no trevo de Vila Dourada, e o enterro foi cercado de comoção.

Na final, que acontecera em dezembro, estavam o Asa Branca, time do prefeito Coronel Pontes Florêncio, que havia eliminado o Lusitânia, e o Aurora, o time dos imigrantes italianos, que havia eliminado o Germânia.

O Asa Branca, que havia vencido em 1967, 1972 e 1973, tentava seu quarto título. O Aurora havia vencido apenas em 1968.

Tudo começou quando o Aurora entrou em campo com outro uniforme. Em vez do tradicional uniforme tricolor (verde, vermelho e branco), usou um uniforme preto em sinal de luto. Ainda os jogadores estenderam uma faixa escrito "Justiça por Lidia Silva".

O prefeito Coronel Pontes Florêncio, visivelmente incomodado, e presente no estádio, exigiu que o Aurora trocasse de uniforme, caso contrário a partida não aconteceria. O prefeito odiava a feminista, pois ela havia "cagado" em uma foto sua em 1968. 

Os jogadores do Asa Branca também foram intimidados, e deixou a entender que algo ruim aconteceria a eles se eles não ganhassem o título. O juiz da partida, com medo do coronel, mandou o Aurora usar seu uniforme tricolor. Devido a isso, o jogo começou com 1 hora de atraso. Vale ressaltar que ao mesmo tempo que Lidia era amada, chegava a ser tão odiada quanto.

A partida começou, registrando episódios de violência e com dois jogadores expulsos em casa equipe. Maria Clara, que apesar de ter 56 anos, estava doente por ter sido presa no ano anterior, torcia pelo Aurora. A camponesa descalça detestava o então prefeito.

O Asa Branca marcou 1x0, mas faltando quatro minutos para acabar o jogo, um pênalti foi dado em favor do Aurora. Apesar das ameaças do coronel, o Aurora marcou o primeiro gol, e faltando apenas dois minutos, marcou o segundo gol e venceu por 2x1. Enraivecido, o prefeito se recusou a entregar a premiação e se retirou do estádio.

Não faltaram comemorações e homenagens a Lídia. Maria Clara fez questão de comemorar com os jogadores. Depois da perda do título, os jogadores do Asa Branca deixaram o time e a cidade, temendo represálias.

sábado, 21 de outubro de 2023

Alycia se recorda de Tia Sandra


Num certo entardecer, ao atravessar a ponte sobre o Rio Adige, a Alycia, com sua bengala e sendo ajudada por seu vizinho Luciano, parou ali e disse:

- Interessante que nesse rio a minha tia avó Sandra teve a coragem de pular aqui.

- Sério?

- Sim. Ela passou dois anos vivendo pelas ruas e chegou a nadar aqui no rio. Engraçado que nem nessa hora ela largou a boneca de pano que ela carregava. Foi para um sanatório na época da guerra e depois foi para o Brasil.

- A senhora sempre se lembra dessa sua tia avó...

Alycia disse:

- Eu estou pra completar 93 anos e nunca conheci uma pessoa tão pura como a Tia Sandra. Tão pura que eu vi com meus próprios olhos ela voando pro céu há mais de 60 anos atrás lá em Lagoa da Italianinha, no Brasil. 

Luciano fingia acreditar nessa história. Alycia continuou:

- Bom, talvez a pessoa que mais se aproxima da pureza de Tia Sandra seja minha neta Cássia. 

- Está bem vamos embora a noite já está caindo e a senhora tá andando muito lentamente.

Alycia, no caminho, continuou falando sobre Tia Sandra.

Perdida no Loteamento

Num certo sábado, a Lucia ficou bastante preocupada quando não viu sua irmã Cássia em casa. Desesperada, ela pegou o carro e saiu a procura dela.

Usando uma foto de Cássia, Lúcia perguntava as pessoas por ela. Até que um homem disse:

- Eu vi ela indo para aquelas bandas dos Loteamentos por ali. Ela tava até com a calça suja...

Lúcia foi aos Loteamentos Maria Clara, Monte Castelo e Tia Sandra procurando por ela, e a encontrou caminhando sozinha em uma rua sem asfalto que levava a rodovia e ao distante Loteamento Vale da Lua.

Lúcia disse:

- Cássia doida que deu em tu? Tu sai de casa sem falar nada e vem se meter nessas bandas esquisitas por aqui.

- Eu quis hoje andar pra longe...

Lúcia saiu do carro e colocou Cássia dentro, dizendo:

- Ainda por cima cagasse nas calças de novo quero ver até quando tu vai ficar com essa mania nojenta!

Lúcia levou Cássia para casa e lhe deu um banho.
 

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Um Escândalo que gerou uma nova cidade


Na década de 30, na pacata cidade de Vila Dourada, no agreste de Pernambuco, vivia uma família rica e poderosa. O francês Jorge Villegagon, descendente da francesa Jacilene, era casado com Joana, que era pernambucana, e tiveram oito filhos, sendo sete biológicos e uma adotada: Arnaldo, Beatriz, Carlos, Dalva, Estêvão, Francielly, Gustavo e a adotada Helena. 

No fim da década de 20, a Francielly, que era a filha preferida de Jorge, se envolveu ás escondidas com Leandro, o motorista da casa. Apenas Edvânia, empregada que trabalhava para a família, sabia dos encontros. Além das diferenças sociais, Leandro era vinte anos mais velho que Francielly, sendo que em 1929, quando tudo começou, Leandro tinha 49 anos, e Francielly, 29. 

O escândalo veio à tona por volta de 1932, quando Lady Andréia, amiga da família, flagrou os dois juntos. Não se falava em outra coisa na cidade, pelo fato da família Villegagnon exercer liderança política na cidade, a ponto do patriarca Jorge "mandar" e "desmandar" nos prefeitos. 

Francielly decidiu manter seu relacionamento com Leandro e acabou sendo expulsa de casa por Jorge, que a deserdou. De filha preferida e "mais bonita", passou a ser a mais odiada. Leandro perdeu o emprego, e Edvânia, que confessou saber dos encontros, foi demitida, e foi morar com sua filha Adélia. 

Em 1933, Leandro e Francielly se casaram em um cartório de Vila Dourada, e ela gerou um filho, a quem deu o nome de Augusto. Sentindo-se malvistos na cidade, foram para uma casa nas proximidades do sítio Maniçoba, atual Lagoa da Italianinha. Em 1935, Francielly morreu em uma queda de cavalo, e Leandro teve que criar o filho sozinho, sendo que o menino Augusto foi renegado pela família de sua mãe. 

No começo da década de 50, surgiram as primeiras lutas pela emancipação de Maniçoba, que havia crescido muito mais depois da chegada dos imigrantes italianos. Vila Dourada sufocava essa luta, e Carlos Villegagnon, que havia assumido a liderança da família, bem como a liderança da cidade, chegou a ameaçar de morte os que lutavam pela emancipação. Em 1955, Leandro estava no leito de morte e fez Augusto prometer que ele "separaria Maniçoba da opressora Vila Dourada, da opressora família Villegagnon". Augusto, já rapaz, decidiu enfrentar seu tio e a família de sua mãe, até que em 1963, Maniçoba se separou de Vila Dourada, adotando o nome de Lagoa da Italianinha. 

Atualmente, todos os membros da família Villegagnon tem seus nomes em ruas de Vila Dourada, menos Francielly, que em compensação, nomeia uma das principais ruas de Lagoa da Italianinha. 

Encontro na praça

Numa certa tarde, na praça 27 de Dezembro, o chafariz estava ligado, jorrando água. Mas não só isso. Ali dentro da água estavam Valdenes e Aline Débora, se divertindo juntos.

Ambos estavam em hora de almoço dos seus trabalhos, e se encontraram por acaso na praça. Os dois jovens descalços estavam abraçados, em dado momento, Valdenes dizia:

- Doido pra entrar nesse chafariz como nos tempos que eu morava nas ruas...

- Oxe, entre. E eu vou entrar junto.

Passaram ali cerca de 20 minutos. Ao saírem da fonte, foram abraçados para seus locais de trabalho. Valdenes chegou na escola de música e Eraldo disse:

- Oxe, que raio foi isso? Choveu lá fora?

- Não, não. 

Aline Débora chegou na floricultura e Cileide foi mais dura:

- Oxe, como é que tu inventa de entrar no chafariz, sua maluca? Vai dar umas voltas por aí quando você estiver seca, volta pra loja.

Apesar da bronca, Aline Débora estava feliz.
 

Lidia e Leda


O ano era 1965 e duas jovens saíram do conforto de suas famílias e foram se aventurar pelas ruas. Lidia e Leda desafiaram a sociedade conservadora na recém emancipada Lagoa da Italianinha.

Em 1968, ambas aderiram ao movimento hippie, e costumavam perambular pelas ruas da cidade sem eira nem beira. Nesse ano houve uma eleição na cidade, onde o italiano Arthur disputou contra o Coronel Pontes Florêncio. Lidia, que apoiava Arthur, chegou a fazer cocô em praça pública em cima de uma foto do coronel, e ela foi presa por isso. Arthur venceu essa eleição.

Em 1972, Lidia foi candidata a vice prefeita mas perdeu. Leda começou a ser seduzida por propostas diversas e logo, Leda havia se voltado contra Lidia e o mundo hippie. 

No ano de 1974, Lidia foi encontrada morta com 29 anos no trevo de Vila Dourada, em um crime até hoje não esclarecido em Lagoa da Italianinha. Lidia da nome a um loteamento vizinho ao bairro Bom Sucesso. Leda, hoje aos 76 anos, abomina o que já defendeu no passado e é atualmente uma beata. Ela esconde seu passado hippie. 

A mendiga Juliana

A mendiga Juliana costuma perambular pelas ruas centrais de Lagoa da Italianinha, pedindo esmolas, não só no centro como também na rodoviári...