"Querida prima Malu,
Há alguns dias, convivo ao relento, sem teto, sem abrigos. Me deito em calçadas, bancos de praça, rodoviária, pátios... Não estou sozinha. Minha filha Dalila está comigo.
Dizem que tenho mente de criança, mas sei de muitas coisas. Passo privações que eu não passaria estando em uma casa. Mas aqui nas ruas, arrumei amigos, pessoas sofridas que não têm teto. Eles me amam, me abraçaram. Tem também pessoas ruins, sim, mas sou muito mais protegida.
Infelizmente, onde eu morava não era assim. Wéllia, Wêdja, Valdênia, me perseguiam, e sua mãe, minha tia Selma, nada fazia. Infelizmente, fui vista como "estorvo" na família por muitos.
Gostaria, Malu, que me compreendesse. Estou feliz. Sim, mesmo sem teto, estou feliz. Não voltarei mais pra casa, pode dar meus pertences a pessoas pobres que estão precisando. Sigo somente com minha filha, minha blusa, minha calça e meu único chinelinho que só uso em um pé.
Tenho liberdade de fazer o que não podia fazer aí. Posso sujar minhas calças - se é que tu entende o que eu quero dizer -, posso tomar banho de roupa e tudo na fonte da praça, onde sempre amei tomar banho, posso falar sozinha, posso brincar com animais de rua, fazer o que eu quiser. Sem levar bronca nem da sua mãe Selma nem da sua irmã Wéllia.
E o mais, se lembra de Capitu, sua irmã abandonada que tu descobriu recentemente? Ela mora nas ruas, e estamos amigas uma da outra. Ela me ama.
Não se preocupe. Estou meio sujinha e maltrapilha, mas um banho resolve. Fome, não passo. Mas entenda minha decisão. Agora, durmo olhando as estrelas e o céu. Não se preocupe, te amo, amo minha sobrinha Alice, minha tia Valquíria e minha prima Anna Paula. Mas me entenda. Se insistirem que eu volte para casa, posso ficar chateada com vocês. Eu não quero.
Com carinho, Rita de Cássia".
A carta foi entregue a Malu, que leu e ficou emocionada.
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